museálias museus e poemas / são inutensílios / com o codinome / manuel de barros
fazer poesia sem fazer museu é nada
menos que inconcebível. há uma gota
de sangue em cada poema, diria o
homônimo. e há contra-poemas em
cada gota de saliva no ouvido mouco
e na língua de fogo do poeta preso em
flagrante. há sangue do meu sangue em
cada poema contra a barbárie. e há vestígios de memória em cada linha que
permanece marcada em braille no caramanchão das construções sintáticas de
chagas, mario.
para mim, falar na orelha do seu livro não
é fácil, ulceramos em semelhantes. mas
chagas, mario é, como no museu de história natural, o meu poetassauro ancestral. sou inegavelmente sobejo dele
talvez por isso, talvez por outra razão,
talvez sem razão prática para criticar,
ele me deitou filosofar sobre o que
está por vir, numa nítida inversão de
valores, num esforço memorável de
imaginação museal. aqui não é o velho
quem fala do novo, se não ab ovo.
aqui não há apenas museus e centros culturais, há guardadores de automóveis, há professores corintos, há
índios galdino e há marias-teresas. e
há muito mais no que somente não há
mais nada. a poesia de chagas, mario
é performática, daí a necessária alusão
ao mundo que acaba e à dignidade
dos mimológicos hãhãhãe.
é possível que os seus antepassados
índios tenham contribuído para firmar
na memória o passo definitivo em relação à poesia engajada, aviltando os que
tornaram de fogo a língua do índio mendigo. é possível que mais do que poesia urbana e mais do que museus como
pontes entre culturas, chagas, mario
esteja preocupado em tecer suas próprias teresas, para escapar das amarras
de seu academicismo e das desilusões
da ciência não-ficcional. mas, não, não
é possível antepor o prenome à vírgula
sem deixar de
partilhar o território e o teto de luz
a coberta a escuta e o campo
de capim florido
a semente da memória
e o grão do olvido
e na pétala da orelha sussurrar
esse cabra é meu pai!
chagas, viktor
o fim é sendo
antes que o mundo acabe
.aos mestres. às…
atrizes (à guisa de oferta)
mário sá carneiro (à guisa de avatar)
vaga-lume em memória
louvação
ao abrigo do sonho
lágrimas
fala da mãe
de galdino para o pai juvenal (em sonho)
fala dos defensores do crime
canto da amante
banguela
esfinge dos lábios de mel
contra a barbárie
desapego
palhaço
caco de vidro
poeta contra a barbárie
pista
carandiru
professor corinto
santa marta
memória da cidade
medo (marque com um “x” a resposta amarela)
14 bis ou acorda a corda que o mundo acabou
arcos
coisa separada
teresas
guardador de automóveis
mãos dadas
além do que não sei
fragmentos
folha solta
todos os poemas
fios e labirintos
declaração de amor suburbano
para rosemeier
para amar na cozinha
amares
poemas do outro dia
contra-abortivo
ovo
caminhadas
costura
teresa
do amor admirado e da admiração amorosa
verdade mentira engano pior
memórias na ponta da língua
a corda
ex-gana
memória do líquen
peitos da memória
memória dos olhos
outro lado da memória
evaporação
condensação
tulipas
caminhos
mãe do mato
museu
visita ao museu
diabão
amália
mega iv
lisboa visitada com gravata
gravata de rua
pingue-pongue
nadadeiras e asas
aliança
pontas
memória dental
alforje
noturno suburbano
não sei
largo da ordem
peixe espada
vem chegando a madrugada ô e a velhice vem caindo
das cabências do amor (marque com um “x” a resposta celta)
cantigas de amizade (marque as respostas valsas)
da guarda baixa
cauê
ci né má
i boa nova
ii desvestindo a noiva
iii canal 100
iv no escurinho
v musical capiba
vi falado
vi documentário
vii roteiro
antes do fim
das mãos em tese
ditirambos
oferta da fala
cena i – os tupinambás são gregos e vice-versa
cena ii – só doido só poeta
cena iii – assim falava zaratustra
cena iv – extra extra
antes do fim
fotografias
balé de bailarinas de garrafa
mario vê o rio passar como um poema sem
fim e vai navegando por ele e escrevendo com
o remo ora fora das águas ora dentro delas.
assim vai reunindo estes dois universos, um
real e cotidiano e outro imaginário, cheio de
surpresas, até chegar ao oceano, quando as
margens se encontram, exatamente porque
se dilataram ao máximo. este poema-rio não
deságua nunca, seu percurso é seu destino e
assim corre para sempre e para todos os lados.
foi concebido para permanecer seguindo
e reunir origem e gênese em um mesmo
caminho. mesmo em terra firme o rio é quem
leva e nele vão ressurgindo as memórias de
todos os tempos, algumas efêmeras e outras
que perduram, como ilhas, como histórias que
guardam outros poemas ainda submersos.
xico chaves
marcado pela experiência artística das décadas
de 1960, 1970 e 1980, mario traz incorporada
em cada página de seus livros a força
libertária daquele período. muito mais do
que incômoda influência do passado, mario
resgata possibilidades quase esquecidas de
futuro ao oferecer, em sua poética individual,
novas e originais maneiras de se olhar para
uma tradição coletiva, a que, talvez, todos nós
devêssemos dar maior atenção.
álvaro marins
depois do língua de fogo, o água salobra
pororoca (à guisa de apresentação)
a vida às margens do rio
vozes do rio
rio da minha casa
hexagrama
barracão
lenda da rua Santana
hálito de usineiro
josé do rio
curimãs e saunas
tarrafa e jereré
cisma do velho da favela do formigueiro
dom do rio
metafísica
devir
desobediência civil
meditação de cioba
rio do cartão
verão
orelha
dedilhatória
ioga dos olhos
ioga dos chacras
ioga da borboleta e da mariposa
fórmula um
fórmula índia
folhas no asfalto
ansiedade
velocidade
amor & âncoras
namorada do piloto
amar em linha
pedro i
pedro ii
acidente
pace
pedras
elegia
radar
g.p. Japão
roda sufi
meio da corrida
vômito
confissão de pedra
discurso do mecânico espanhol
vitória
estrada da gávea
pit stop
para narciso e orquestra
(com voz de supla suplicy)
estoril
piloto não classificado
mãe morta
pai morto
o livro que o leitor e a leitora tem agora
em mãos é o terceiro de uma série iniciada por língua de fogo e seguida por
água salobra. depois do fogo e da água,
o poeta apresenta-nos agora a sua poética da terra e da cidade, imbricados no
amálgama terracidade. a sequência nos
indica de forma bastante clara a existência de um projeto que chega a mais
uma etapa com esta publicação.
é possível que quem conheça os livros
anteriores aprecie o novo olhar que
mario chagas propõe nesse volume, a
partir do próprio título da obra. a terra
e seus rios, a surpreendente poesia
encantada das ruas e avenidas, as populações urbanas, seus ritos e maneiras de
estar nas cidades vão povoar os poemas
de um poeta atento a todas as possibilidades de novas leituras para os objetos
de nosso cotidiano.
esta é também a etapa em que o poeta e
o museólogo encontram-se mais estreitamente vinculados nos caminhos da
criação. quem já conhece o poeta compreenderá melhor de que forma a atividade do museólogo inspira sua obra
poética. por outro lado, quem convive
com o museólogo perceberá o quanto
a sua atividade profissional é impulsionada por seu olhar de poeta. acredito que
ambos, leitores e leitoras deste terracidade, encontrarão momentos de grande
deleite com a obra que ora se lança.
álvaro marins
a-present-ação
(frag-ment-ação:po-ética-ret-alhos:
ped-aços-de-v-idas & vindas)
a poesia encantada das ruas
1ª maldição
2ª maldição
3ª maldição
4ª maldição
5ª maldição
prisão
sem posse
jorge cavalo e dragão i
jorge cavalo e dragão ii
cabimento
rua i
rua ii
óbvio
carnaval
lisboa : terremoto
i. nenhum amor é provisório
ii. conheço os loucos da cidade
iii. gaivotas votivas
iv. estranho o alfacinha
v. lisboa
vi. mira
vii. procurei-me à noite na baixa
viii. sou a agonia do agora
ix. américas áfricas ásias oceanias
x. madre de deus azulejos
xi. cruzei (amiga) o atlântico
xii. pela baixa e pelo alto
xiii. estala a liberdade
xiv. ó senhora do olival e da minha vontade
xv. a dama da imortalidade
xvi. há uma guitarra cigana
pipocas de viagem
balanço
são miguel e lúcifer
museu guimet
museu d’orsay
i. merci/crime
ii. crime/merci
grafites
i. memória de riso alto: literatura de metrô
ii. teatro nacional (trocadero)
iii. teatro nacional (trocadero)
iv. teatro nacional (trocadero)
olhar a janela
olhar a mesma janela
segredo
acordar
escolhas em paris
gueixa
ginja em brasília
i. gueixa e eixo
ii. mãos olhos pés ginga
iii. a gueixa é ginja
iv. olho a gueixa
v. as artes da gueixa
gueixa
poética do entre
entre jovens poetas
jasmim do poeta
comício
pedala poesia
no encontro do poema perdido
ismos
ando a esmo
milagre
i. milagre
ii. a alegria
iii. a poética da lágrima
iv. olho lírios
v. lívia olha
ouve as cigarras
canção da praça onze
canção da praça onze
caboclagem de rios
sinuca de beco
pelas tabelas
cabeça de bronze
ruínas de vila dois rios